Total 90s - XXIX

Neste mês: a verdade e nada menos que a verdade; uma terriola onde todos têm algo a esconder; uma rivalidade entre irmãs e missionários e um agente que é uma cobra solidamente furtiva.

Filme: ‘A Verdade da Mentira’True Lies (1994)

O agente secreto Harry Tasker (Arnold Schwarzenegger), especialista em combate ao terrorismo, está casado há quinze anos, sendo que durante todo este tempo leva a sua mulher Helen (Jamie Lee Curtis) a acreditar que apenas vende material de informática. A esposa, por sua vez, acha a sua vida aborrecida e, coincidentemente, envolve-se com um pretenso espião (Bill Paxton), no intento de trazer alguma emoção ao seu dia-a-dia. Ao investigar o "caso" da mulher, o agente descobre que o tal "espião" na verdade é um simples vendedor de carros, que inventa histórias mirabolantes para tentar conquistar mulheres emocionalmente carentes, e que a sua mulher não o está a trair. É então que Harry, sem querer, acaba por envolver a mulher e a filha (Eliza Dushku) num caso de terrorismo no qual está a trabalhar.

Baseado na comédia francesa ‘La Totale!’, realizada por Claude Zidi em 1991, ‘A Verdade da Mentira’ foi o projecto escolhido por James Cameron para suceder ao seu esmagador êxito ‘O Exterminador Implacável 2 - O Dia do Julgamento’. E se o segundo capítulo da saga ‘Terminator’ bateu o recorde em 1992 de filme mais caro de sempre (94 milhões), o seguinte filme de Cameron derrubou essa marca, tornando-se na primeira película da história do cinema a custar mais de 100 milhões de dólares. É uma longa-metragem que essencialmente não se leva muito a sério, uma espécie de autoparódia que navega pelo sucesso dos filmes de espiões com o toque de cinema de espectáculo e sequências de acção que só Cameron é capaz de oferecer. O nível de insanidade das cenas de acção varia, por exemplo, de uma frenética perseguição a cavalo pelos corredores de um hotel até um tiroteio com jacto militar no meio de um centro urbano. Junta-se a isto uma química arrasadora entre Arnold Schwarzenegger e Jamie Lee Curtis, ambos em grande nível e com a actriz a acabar mesmo por arrecadar o Globo de Ouro na cerimónia do ano seguinte.

Aceite de braços abertos pelo público e pelos críticos, ‘A Verdade da Mentira’ foi um sucesso de bilheteira, arrecadando quase 380 milhões de dólares e até batendo o próprio ‘Forrest Gump’ no seu primeiro fim-de-semana de exibição. O sucesso do filme ditou que Schwarzenegger e Cameron concordassem em realizar uma sequela mas o assunto teria que esperar em virtude do total empenho do realizador norte-americano no seu projecto seguinte, ‘Titanic’ (1997). Em 1999, o argumentista Jeff Eastin foi contratado para escrever o guião do novo filme, com planos de começar as filmagens no final de 2001 mas os eventos trágicos do dia 11 de Setembro desse ano vieram arruinar essa pretensão. Depois do ataque às Torres Gémeas, o argumento teria que ser alterado, uma vez que continha um acto terrorista e esta temática estava demasiado sensível para poder ser abordada de ânimo leve, à semelhança do filme original. Pouco tempo depois, Schwarzenegger tornou-se governador da Califórnia e ficou encerrada qualquer possibilidade de filmar uma sequela.

‘A Verdade da Mentira’ foi o primeiro filme que vi numa sala de cinema sem a presença de familiares. Eu e o meu grupo de amigos de infância e adolescência, com idades entre os 14 e os 15 anos, iniciámos um hábito de ir ao cinema a Lisboa, principalmente ao Monumental. Depois de uma viagem de autocarro desde Loures até à capital, escolhemos unanimemente ir ver o novo filme de Arnold Schwarzenegger, talvez o mais carismático dos “heróis de acção” das duas últimas décadas do século XX. Curiosamente, lembro-me mais desta primeira ida ao cinema sem pais ou irmãos e só com amigos, uma espécie de marco de emancipação juvenil, do que do próprio filme. Revi-o agora para escrever o artigo e considero que, mesmo sem grandes pretensões ou a escala dos grandes blockbusters da carreira de James Cameron, esta comédia de acção permanece como uma das jóias da curta mas valiosa filmografia do realizador.

Série: ‘Twin Peaks’ (1990-1991)

‘Twin Peaks’ é uma série de televisão norte-americana criada por Mark Frost e David Lynch. Estreou no canal ABC em 8 de abril de 1990 e originalmente durou duas temporadas até ao seu cancelamento em 1991. A misteriosa morte da jovem Laura Palmer (Sheryl Lee) na pacata cidade de Twin Peaks dá início a uma série de problemas ao agente do FBI Dale Cooper (Kyle MacLachlan) e ao xerife Harry S. Truman (Michael Ontkean). Eles são os responsáveis pela investigação do crime e acabam por perceber que várias pessoas da cidade estão envolvidas e que segredos obscuros estão por trás do caso.

Na década de 80, o cineasta David Lynch foi contratado pela Warner Bros para realizar um filme sobre a vida de Marilyn Monroe. O argumentista Mark Frost juntou-se à produção mas o projecto acabou por não se concretizar. Apesar disso, os dois tornaram-se bons amigos e acabariam por fundar a Lynch/Frost Productions quando foram desafiados a criar uma série de televisão. A dupla queria misturar uma investigação policial com uma espécie de novela e o canal ABC gostou da ideia, pedindo a Lynch e Frost que escrevessem o argumento para o episódio piloto. Os dois conversaram sobre o projecto durante três meses e escreveram o guião em 10 dias. ‘Northwest Passage’, o episódio piloto, custou quatro milhões de dólares e foi editado com a duração de 94 minutos. Lynch e Frost estabeleceram um acordo com a ABC de que filmariam um "final" adicional para que pudesse ser vendido directamente para vídeo na Europa como um filme se a série não tivesse luz verde para avançar. Após boa recepção da crítica e da audiência televisiva, ‘Twin Peaks’ foi mesmo aprovada para produção da sua primeira temporada, com um total de 8 episódios.

O enredo foi considerado revolucionário na época, pois fugia das fórmulas de outras séries que, geralmente, buscavam algum sentido de moral. ‘Twin Peaks’ possuía uma história complexa nunca vista numa série antes, personagens estranhos e excêntricos, tramas cheias de mistérios, sendo difícil categorizá-la pois possuía momentos alternados entre suspense, surrealismo, drama, policial, humor e terror psicológico. A misteriosa morte de Laura Palmer, a música tema de Angelo Badalamenti, assim como a forma como cada habitante de Twin Peaks estava envolvido com o assassinato, ajudaram a segurar o enredo e a tensão e ter uma primeira temporada aclamada pelo público e crítica. Desta forma, uma segunda temporada acabou por ser negociada, com mais personagens e um total de 22 episódios, igualmente bem-recebida. Após o fim da série seguir-se-ia uma longa-metragem intitulada ‘Twin Peaks: Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer’, que estreou nos cinemas em 1992 e que serviu como prequela dos eventos mostrados no pequeno ecrã.

Apreciador do trabalho de David Lynch, o meu irmão mais velho seguia atentamente ‘Twin Peaks’. A primeira memória que tenho é de ouvir o tema do genérico quando ele e o nosso pai se preparavam para ver um episódio, com eu e o meu irmão do meio menos interessados na série. Tendo eu 10 anos de idade quando a mesma estreou na RTP1, já começava a ver outras coisas na televisão para além de desenhos animados, filmes de acção ou séries de comédia mas ainda não tinha maturidade suficiente para conteúdos “Lynchianos”. Apesar disso, lembro-me bem de que a série procurava esclarecer o assassinato de Laura Palmer e agradeci não ter sabido a priori quem o cometeu quando me sentei para ver ‘Twin Peaks’ largos anos mais tarde. Gostei muito e foi com admiração que vi a série regressar para uma terceira temporada de 18 episódios em 2017, sem o impacto dos anos 90 mas igualmente de grande qualidade.

Álbuns: ‘Vision Thing’ – The Sisters of Mercy / Grains of Sand – The Mission (1990)

The Sisters of Mercy é uma banda britânica de rock, fundada em Leeds, em 1980 por Andrew Eldritch (voz) e Gary Marx (guitarra). A eles juntaram-se Ben Gunn (guitarra, substituído por Wayne Hussey em 1983) e Craig Adams (baixo). A origem do nome da banda vem de uma canção de Leonard Cohen e de uma ordem religiosa de freiras católicas. Os Sisters of Mercy surgiram do movimento advindo do pós-punk e foram uma liderança no género rock gótico, em parte graças ao seu primeiro álbum de estúdio, ‘First and Last and Always’, tendo alcançado amplo sucesso em Inglaterra e nos Estados Unidos. Desde os primórdios do grupo, a banda foi marcada por atrair uma legião de admiradores, agradados pela voz de baixo-barítono profunda e sombria de Eldritch e pelas letras da banda que tratam de temas comuns ao rock gótico. A banda inovou ao usar uma máquina para executar a bateria/percussão, apelidada de Doktor Avalanche. As dificuldades de relacionamento com Andrew Eldritch causaram a saída de muitos membros dos Sisters of Mercy, deixando-o como único integrante original e com apenas três discos lançados.

The Mission é uma banda britânica de rock gótico, formada em 1986 por Wayne Hussey e Craig Adams. Inicialmente conhecida como ‘The Sisterhood’, a banda foi fundada pelo vocalista Hussey e pelo baixista Adams após a saída abrupta destes dos Sisters of Mercy, logo adicionando o baterista Mick Brown (ex-Red Lorry Yellow Lorry) e o guitarrista Simon Hinkler (dos Artery e dos Pulp). Além de Hussey, a formação mudou várias vezes durante os anos e a banda esteve em hiato duas vezes. Também creditada como The Mission UK nos Estados Unidos, o catálogo da mesma consiste em 11 álbuns de estúdio: ‘God's Own Medicine’ (1986), ‘Children’ (1988), ‘Carved in Sand’ e ‘Grains of Sand’ (ambos de 1990), ‘Masque’ (1992), ‘Neverland’ (1995), ‘Blue’ (1996), ‘Aura’ (2001), ‘God is a Bullet’ (2007), ‘The Brightest Light’ (2013) e ‘Another Fall from Grace’ (2016), com vários álbuns complementares, compilações, e outros lançamentos diversos.

O ano de 1990 viu ambas as bandas lançarem os seus álbuns mais bem-sucedidos e elogiados pela crítica musical. Se os Sisters of Mercy surpreenderam com ‘Vision Thing’ e os seus seis singles de um total de oito canções, com ‘Doctor Jeep’ e principalmente ‘More’ a rodarem frequentemente na MTV, os Mission responderam com uma dose dupla de álbuns: ‘Carved in Sand’ e ‘Grains of Sand’, lançados com uma diferença de 11 meses. O primeiro originou singles como ‘Butterfly on a Wheel’ e ‘Deliverance’ e o segundo, apelidado como um álbum “companheiro” do anterior e composto por faixas que ficaram inicialmente de fora, rendeu ‘Hands Across the Ocean’ e apresentou versões das canções ‘Mr. Pleasant’, dos Kinks e ‘Love’, de John Lennon. Apesar da polémica saída de Wayne Hussey e Craig Adams dos Sisters of Mercy já datar de 1985, o bom momento das duas bandas reacendeu a animosidade entre estas, com ambas a lutarem pelos lugares de maior destaque nos festivais de rock de cariz mais gótico e com Hussey a dedicar a música ‘Mercenary’, carregada de impropérios, a Andrew Eldritch. Uma espécie de vingança, uma vez que o líder dos Sisters of Mercy já havia troçado de Hussey e do seu estilo de composição com ‘This Corrosion’, do álbum ‘Floodland’ (1987).

‘Vision Thing’ e ‘Grains of Sand’ foram os últimos discos de vinil que o meu irmão mais velho comprou antes de iniciar a transição de formato musical para o CD. Eu não conhecia os Sisters of Mercy e nem tão-pouco os Mission e lembro-me do meu irmão contar que estes últimos faziam originalmente parte dos primeiros. Esta ideia da cisão e rivalidade entra as bandas nunca mais me saiu da mente e até hoje é quase inevitável não pensar numa delas sem me recordar da outra, daí ter feito sentido para mim colocá-las às duas no mesmo artigo. Musicalmente, a diferença entre as duas bandas de Leeds começou por se notar principalmente no uso da bateria (Doktor Avalanche versus Mick Brown ou máquina contra homem) mas, com o tempo, os Mission diversificaram mais a sua sonoridade ao longo da carreira ao passo que os Sisters of Mercy não lançaram mais álbuns de originais desde 1990 e permanecem como praticamente apenas um projecto a solo e ao vivo de Eldritch.

Videojogo: ‘Metal Gear Solid’ (1998)

Em 2005, o experiente soldado com o nome de código Solid Snake é forçado a sair da reforma e enviado para Shadow Moses, uma ilha a sudoeste do Alasca, no mar de Bering. Orientado à distância pelo coronel Roy Campbell, Snake infiltra-se numa instalação de eliminação de armas nucleares para neutralizar uma ameaça terrorista da FOXHOUND, uma unidade de forças especiais. Snake deve resgatar dois reféns: o chefe da DARPA, Donald Anderson, e o presidente de uma fabricante de armas, Kenneth Baker, além de enfrentar os terroristas e impedi-los de lançar um ataque nuclear.

Criado em 1987 pelo japonês Hideo Kojima para a Konami, o jogo de computador ‘Metal Gear’, lançado originalmente para o sistema MSX2, marcou o início da saga homónima que viria a popularizar o subgénero stealth dentro dos jogos de acção e aventura. Fazendo uso da furtividade, o jogador deve evitar ser detectado para se evadir ou criar uma emboscada para os seus antagonistas. Jogos deste subgénero empregam mecânicas como esconder-se na sombra, disfarces e barulhos que podem alertar os inimigos. Muitos dos elementos que viriam a ser marcas registradas da série já apareciam nessa primeira missão de Solid Snake, como o rádio Codec para comunicação com os seus superiores ou mesmo a célebre caixa de cartão. Foi feita uma versão deste mesmo jogo para o NES em 1988, porém com algumas modificações na história. Uma sequela, ‘Metal Gear 2: Solid Snake’, foi lançada em 1990 para computadores MSX2, contudo, somente no mercado japonês. ‘Metal Gear 2’ teve adições importantes para a série, bem como uma história muito mais elaborada e cheia de revelações.

Depois disso, a série Metal Gear só regressou em 1998, com o nome de ‘Metal Gear Solid’, para a PlayStation, adaptando a jogabilidade dos dois primeiros jogos para um ambiente 3D. Enquanto os dois primeiros jogos tiveram apenas um relativo sucesso, ‘Metal Gear Solid’ foi um campeão de vendas, com mais de 15 milhões de cópias vendidas por todo o mundo. Vários jogos tentaram copiar a sua fórmula, o que fez da série ‘Metal Gear’ uma das franquias mais importantes da Konami e Kojima um dos mais respeitados nomes da indústria dos videojogos. O sucesso crítico e comercial do título fez com que uma versão expandida do jogo fosse lançada para PlayStation e PC, intitulada ‘Metal Gear Solid: Integral’ e um remake, ‘Metal Gear Solid: The Twin Snakes’ foi mais tarde lançado para a GameCube da Nintendo. O jogo fez com que fossem criados numerosos títulos com enredos que acontecem antes e depois de ‘Metal Gear Solid’ (seguindo agora esta designação com uma nova progressão numérica) para além de uma audio story, banda desenhada e um romance.

O meu primeiro contacto com ‘Metal Gear Solid’ deu-se através de um videojogo de… futebol. Quando comprei ‘International Superstar Soccer Pro 98’ da PlayStation original para jogar na PlayStation 2, este vinha com um disco extra contendo a demo do jogo. Decidi dar uma oportunidade à demonstração jogável e fiquei surpreendido pela positiva quanto à qualidade e duração da mesma. Cativou-me a jogabilidade e a ideia de tentar mover-me pelo cenário sem ser detectado ao invés de abrir fogo sobre todo e qualquer inimigo à vista, uma mecânica de jogo que posteriormente seria seguida em outras séries de videojogos como ‘Hitman’ ou ‘Splinter Cell’. Apesar de ser uma demo bastante longa, quando a mesma chegou ao fim, imediatamente após um acontecimento importante na história, senti que queria continuar a jogar. Um amigo acabou por me emprestar o jogo e quase que cheguei ao fim do mesmo.